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segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

calo seco

























esse talho e ranço
é o pouco do caldo
que me sobra
dessa dobra da língua

verborragias na hemorragia
de sentimento falham-te
como que ora
e não tem sede benta

entendas de uma vez
verbos não me compram
sou escolada em retórica
e paranóica de ardores

iguaria do falo
não é a palavra
que se escuta
é sim a constatação

gozo meu não é verso
é sim dissertação.



performer: Fabiano Barros

intimidade

























a quantos dorsos chamei por seu nome
a quantas orelhas me calei
quantos corpos tinham seu cheiro
quantos leitos por você deixei?

não pergunte, eu não sei




performer: Fabiano Barros

sol de janeiro e ano inteiro


















no acalanto de sua chegada
descobriu-me mulher
giro em sua órbita
provoca em mim estações
e desconhece-me esfera

causou-me amanheceres meridianos
as belas horas brilharam aqui
vogaram tanto e como que declinaram
no desespero de seu poente
ah, meu amor, minhas dúvidas!

seus lábios queimaram os meus
fizeram juras que não podem cumprir
não sou júpiter ou urano
nem sou saturno e em segredo
trago seu anel no polegar esquerdo

meus olhos devotei aos dias
que choram durante a noite
é madrugada agora
sinto a frieza da solidão
um medo tão meu

obedeço a ordem que impôs
apertam-me suas margens
privam-me do seu calor
tento esquecer o que foi
todas as manhãs.




performer: Fabiano Barros

Fantasmas de Goya


























o mundo se calou
e as explosões de cores idem
monocromático
mesodramático
endométrio de amada
virada ao avesso

Goya, que te sobre as sombras
e os ecos das palavras
que não escutarás mais!

fundiu-se em figura e fera
qual quem sangra sem corte
violentou-se em silêncios
pois seu coração
fez-se fragmentos de bombas
da guerra dos outros

Goya, que te sobre as sombras
e os ecos das palavras
que não escutarás mais!

e se não bastasse todos
os espectros que o seguiam
em suas horas de tormenta
percebera suas imagens nuas
sendo arrastadas em carroça
queimada no dia do mito.



performer: Fabiano Barros

sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

destruidor...


























a geada do porvir
é impiedosa
e talvez tome seu visgo

mas se sobreviver a tudo
com vigores primaveris
cortarão seus talos

venderão mais que essência
para enfeitar mortes
amores e regalos pueris

e se seus jasmins imperam nobres
em seus viveiros de salamandra
deixe-os de sobreaviso!

(dedicado a Leonardo Quintela)








performer:Fabiano Barros

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

rara

















submerso seu olho
é um adágio
ao meu encontro
sou pescado e não luto

entrego-me, bela
sou seu
sem pausa
amarras
ou promessas

como se preso num mergulho



















longo e prazeroso
o ser volta a tona
e retoma o fôlego
em uma só inspiração
completo, preenchido
tépido, vicioso
como se a calma do submerso
tomasse seus pulsos
e pensamentos
nada tocaria o estado maculado
das coisas que estão por dentro
como numa noz dura
que protege a amêndoa quase doce
permanece o estado de dormência
enquanto a essência tenta se recuperar
do impacto do toque mais suave
que já recebeu enquanto ser
tudo ainda permanecia intocado
depois de tanto tempo
mesmo tendo a noção
da força do sentimento
íntimo e tímido
sabia de seu efeito devastador
e era refém de si mesmo.

Equador

























Se Henry Miller se calasse e sua boca se enchesse de formigas antes mesmo de se mostrar um exímio amante, não me refestelaria com os belíssimos trópicos que ele declinou tão bem.
Minhas expectativas nunca ultrapassaram o Trópico de Câncer, nem o de Capricórnio, elas se equilibraram tal qual o Equador.
Não me compararia a Miller nem ao relatar o menor suspiro de desejo intenso, nem ao menos numa linha do pós-guerra, mas humana que sou, estou tomada de febre do meio.
Poderiam dizer que é a febre dos trinta e cinco, que é o frisson da idade e eu poderia discordar dizendo que é além disso. Mas é, caro leitor, a minha palavra contra a sua, nem sei se tenho argumentos para convencê-lo do contrário.
Guardei por anos um silêncio pesado entre a leveza de devaneios e gozos mais íntimos. Não soube me expressar bem. Prendi-me por motivos errados e continuo cedendo ao que a boca cala e o corpo rasga. Equilibro-me entre fazer o que quero com o que esperam de mim, um exemplo plausível de Equador Perfeito.
Nego ser uma queda de braços, ou uma luta de boxe, embora me sinta nocauteada, é uma guerra de mãos e mesmo que pareça que uma quer sustentar a outra, evitando a queda, não há força suficiente para sustentar o desencanto preso entre os dedos da esperança. A fé é fraca e com tão pouca resistência a tarefa de segurar uma das partes vai se tornando cada vez mais árdua, cada vez mais perdida.
Equatoriais meus verbos secam no pretérito perfeito do subjuntivo e eu intransitivo-me.

não creio
























mas ainda há poesia
mesmo que num sonho distante
mesmo que na maresia
os poços salgados
se fundem aos doces
enquanto tudo é salobre
quantos nós ainda hei de ser
para me transformar
em linha reta?

queria te acordar hoje


























como se fosse dia branco
como se esquecida de mim
quem dera não me lembre
que é mais um dia brando
repleto de falta tua
ignorando quem sou eu...

fala-me baixo seus segredos


















como se proferisse uma prece
e isso me encanta
parece-me que se esconde de si
para se mostrar inteiro para mim
sussurra para não se ouvir
quase ora em meus ouvidos
e isso me excita
ser seu deus
ser seu carrasco
causar-te amor e asco
numa conjunção afetiva
tão frágil e forte
tão nada e absurdo
desprezível e tão essencial
as contradições me inspiram
suas orações me inspiram
e quando me fala
sou todo ouvidos.



performer: Fabiano Barros

alvorece



















na penumbra quase luz
os cabelos negros
notívagos se vão
deixando a aurora
deitada na marina
ao som do mar
chegou-me menino
e vai embora
sem se explicar

não precisa dizer
mesmo que eu chore
sabe que eu sei
deu-me o seu melhor
o bem e o mal maior
nessa loucura que nos atinge
com fúria e mais querer
nos faz libertos
presos nesse laço efêmero

deixa-me que tudo
está calmo agora
o mar de meus olhos flutua
amanhece lá fora
e seu sol suado e nu brilha
entre todos os meus lábios
quero seu olho no meu
esse misto de solidão
e cura

a casa do homem


















com suas portas abertas
sentidos todos e alerta
visão turva de lágrimas
de quem quer se sacrificar

a casa do homem
com suas janelas incertas
pele alva e repleta
boca serva e viril
de quem quer saciar

a casa do homem
com sua alma liberta
sangue fervilha, intenta
sexo altivo e cativo
de quem quer penetrar

a casa do homem
templo de afeto maior
que nada exige
além do gozo afável
de um corpo no luxo de tê-lo.



performer: Fabiano Barros

Degradado, um ser gasto



























Puído, corroído pelo tempo
Jogado como saco plástico
Que já não serve
Desgraçado, um menos que nada
Farrapo humano
Com cheiro de urina
Coberto de germes
Pobre latrina
Um dia foi criança
Não se sabe se menino,
Talvez menina
Não pode-se distinguir
Desvalido,
Farrapo urbano
Mas ainda se prolifera
Como muitas bactérias,
Como os ratos do esgoto,
Tomam conta
Do submundo
Eis a rebelião dos sujos
A revolta dos falidos
Que se erguem em busca da visão
Eis a batalha dos excluídos
Haverá flauta para hipnotizá-los?
Haverá pesticida para todos?




performer: Elso Mendes

a contratura



























acena com o pé
cheio de micoses
provenientes
de queixos caídos
e babação por nada

isso que vendem como cura
em garrafinhas de isotônico
é melaço misturado com clichê
e que não me sobre nem
o bagaço dessa caiana

mandem-me o álcool
que nele afogam-se
as necroses dos loucos
só ele faz regurgitar
o que não pode mais
ser digerido

bebam, bebam
e vomitem-me
contra-musa dá azia
perfura os intestinos
e desagrada polidos

não que eu seja poeta
que desacredite o amor
mas como publicitária
conheço propaganda
enganosa

EXTRA! EXTRA!

o amor existe, existe
é gozo puído
é reclame repetido
é corno encefálico
e fala de traído
amar é para todos!
amar é para tolos!



performer: Elso Mendes

Carta a Emir



Vivo de invencionices para não morrer sufocada pelo querer utópico e egoísta, para não declinar sob sua adaga, na esperança de perpetuar algo aqui em mim dessas mil e uma noites, pois tudo tem fim.
Sou escritora, não poderia ser diferente, entrego-me aos pensamentos inventivos e quero ainda tomar os de todos que estão a minha volta.
A poesia que componho é madrugadora e por vezes não me deixa dormir, os versos me estupram, roubam-me a fala, tomam-me o sono matinal.
Fujo do que não entendo, temo o que não entendo e nessa pressa da fuga não trago muita coisa, talvez pouco mais que verbo e imaginação, quem além delas me salvariam do fio de aço dos amanheceres rotineiros e quase vazios?
Os olhos trazem cada vez mais farpas de sonhos que foram ficando pelos caminhos, de contos mal feitos, de poesias não terminadas, de palavras sufocadas na ânsia de berrar.
E quantas delas já caíram no esquecimento e nem tentarão sair do cemitério que é meu peito desvalido?
A força que trago em minha carne não é mais que o querer que trago em minha boca falida, por isso caro Emir, não me deixo dormir.
Ao sussurrar histórias mentirosas em seus ouvidos, não era ilusão que costurava naquela colcha de retalhos azul e vermelho. O que eu tentei foram as notas ludibriosas e gentis de Sherazade.

alegoria



















desfilou sozinho
tal quem impera
sambou soberano
sem ter alegoria
para se vender

e recordei-me
que se vangloriava
pelas madrugadas
black in roll
cheio de gim e de si

agora vejo-te
lágrima
disfarçada
de riso, em plena avenida
dizendo soul-te
até o fim, baby
até o fim.

molduras

















Frida,
quantas nervuras e carmins
berrarão entre limites
dentro de quadros
dentro de átrios
de mulheres imperfeitas?

ame-me mais algumas vezes


























venere-me como um templo
de gozo efêmero
idolatre-me como se fosse um deus
pois estou de saída
não sei quando volto
não sei se volto
estou às voltas
com um novo mundo
cheio de vertigens
não sei se volto
nem me ame mais
por saber da verdade
não quero mais ninguém
comigo, ouvindo-me
se eu gritar
se eu gemer
se eu chorar
se eu morrer...
os dias que tivemos
foram gentis
mas deixe-me agora
num último beijo
e meu caminho estará livre
sem explicações
e se eu dormir
deixe-me outro beijo
farei só, meu caminho insano.

equilíbrio inconstante



















de dois corpos
que se dobram
um contra o outro
isso se mantém
ainda que não solicitado

ambos impelidos
por forças opostas
em atrito e querer
talvez em igualdade de
embate

essa harmonia
dentro e entre
seres partidos
quase distantes
é o suspenso

o inominável.


performer: Fabiano Barros

até logo



























sua margem
é o não querer mais bruto
talvez uma falta carmim
que encarna o âmago

como se qualquer fim
fosse recomeço
retrataria agora
os beirais de um olhar

coadjuvantes passivos
os sapatos e a vida
permanecem encharcados
de sal e choro

toda palavra
atolada na lama
do sussurrado e falso:
“até logo!”

como se qualquer quebra
fosse parca
a fronteira não demarca
cada lágrima atributo
para esse derradeiro parto
um infinitivo luto.



performer: Fabiano Barros

sobras de sertão idílico


























um olhar
permeado de lama
dor e poeira

costas armadas
carabina e cordões
bala e reza brava

calo amarelo
deitado sob cutelo
no regaço da venta

pouca fala
boca casta
secura de verbo

e ancas ardentes
por trazer devoto
o sol fustigado.

Berberé (Larissa Marques e Ivan Guardia)



























na gavetinha os bibelôs revoltados
agrupam-se para jogar de cima da cômoda
um livro de Maximilien de Robespierre
virtuoses que procuram rabinhos de invidere
muros detidos no umbigo introjetado

amotinados,
a colombina de louça
mancomuna uma rebelião com o palhacinho de papel machê
na escuridão
mal se dão conta
que a bastilha foi tomada
cabeças já rolaram
e a guilhotina virou souvenir.



performers: Fabiano Barros e Richard Nicson

Carta a Kerouac (parte I)




Repare, meu caro Kerouac, saiba que aqui a vida anda desoladora e como você sobrevivi aos consórcios por anos, e eles assim me proporcionaram vinhos baratos e leitura cara! Os cigarros vingavam-se de meus pulmões e o ar nunca me faltou, embora a comida de bandejão tenha me feito regurgitar pensamentos sartreanos! Cá ainda ouço nossa canção, aquela de Bob Dylan que inspirou tantas involuções! Tenho saudade apenas do tempo que nos sobrava e de seus olhos de paisagem quando eu falava de sentimentos pouco nobres!
Aquilo sim era um Royal Straight, baby!
E depois de esgotar as vontades vãs tento não me apegar às futilidades de uma vida vazia, mesmo sabendo que as pequenas epifanias nascem desses abusos frívolos e descartáveis.
O amor para mim tem cheiro de látex e gozo puído.
Mas odeio sentir-me dependente e percebo que quero é espatifar qualquer vínculo, qualquer vício, mas acabo me entregando a eles com mais violência do que quando me apeteciam as dependências.
As garrafas secas lanço contra o concreto armado, as bitucas de cigarro pisoteio para se apagarem, mas compro tudo que desdenho mais de uma vez.
Até quando vou poder pagar pra ver?

espelho



eterniza algo de seu
em minha derme
tatua esse nome
pagão em minha
virilha
bem ali onde
se dobra

emoldura algo meu
em seu santuário
ora em mim
como quem quer
a essência
aqui, bem onde
tudo se dobra

interlúdio

























sobre a cômoda
descansa um rosário
a sala está fresca
e os mensageiros ondulam
com o vento fraco

peço pouco da vida
não espero quase nada
o cigarro treme
entre os dedos
desaprendi de chorar

não há brilho na caduquice
nem silêncio nas bardanas
o gato com patas para o alto
sabe sorrir dormindo
queria aprender com ele.



performer: Fabiano Barros

fêmea fértil

























suas palavras me são gametas
copulam impunes
em minhas orelhas
sob a trama negra de nossos pelos

revida silêncio com substantivos
versos ferinos e doces apelos
quando me calo se vinga
beijando-me até que eu derreta

aqui quase ávida meio faminta
sinto-o deitado sob minha centelha
enfim, deixa-me só em gozo altivo
cheia de sêmen
grávida de sua língua

terça-feira, 30 de novembro de 2010

tua face fere meus olhos



















acostumados com o cotidiano
tua carne invade minha carne
fadigada com o vazio
tuas palavras estrangulam meus ouvidos
entregues aos discursos ocos
tua ânsia perturba minha paz
escondida da realidade
teu corpo me traz à tona
como se estivesse morta em mim
teu sorriso acorda meu dia
toda a minha vida
mas já não me engano mais
um dia tudo isso acaba
e volto ao meu estado de dormência
original
vá embora, não me perturbe mais.



performer: Fabiano Barros

segunda-feira, 29 de novembro de 2010

viu o fogo, menino?

























meu circo foi queimado
labaredas lamberam
a lona e a arquibancada

não sou um palhaço
mas trago um sorriso
preso de um só lado
o esquerdo num vermelho
meio desbotado

não sou equilibrista
e vou te enganar
com esse olhar de artista
nessa fumaça que toma
tudo que nos pertence

foi-se o menino
o palhaço
o equilibrista
e por fim o circo!

tourada





















há equilíbrio no embate
ambos esguios
de nobre casta
numa dança no centro

cheios de paixão
e loucura
são apenas um
carne da carne
sem ferros ou cercas

por lá a bandarilha
e os chifres lembram
que tudo é batalha

que se ferem e matam
então investem audazes
o touro se erguia cingido
palmas e desespero

não mais que três golpes
e no meio da praça
declinou-se o espetáculo
ali jaz mais um toureiro.

totem





















esse corpo me faz falta
meu retiro, meu consolo
doutra janela espia
e eu o tijolo
preso em argamassa

abraçado sozinho em sonho
de voo temporário
nem seca, nem tempestade
absorve-me extremo
me curra

sua chuva me acalma
levando-me à loucura
espero que seja breve
volte nuvem passageira
a molhar meu úbere

bípede



















fui viajante em vernáculo ambíguo
e foi-se o tempo que me entregava
à bruma torpe e nevoada dele
ou a retóricas ambíguas e desencontradas

feito bromélia deixo-me molhar
e guardo em mim água alheia
a mágoa é raiz forte, meu amor
permanece grudada em terreno duro

caminho olhando para o céu, não nego
ele é tão imenso e tentador
que quase me convence
que o melhor seria voar

e quando dou por mim, sou bípede
dois pés de rocha bem presos ao chão
a palavra ludibria é pau e prego
e crucifica ingênuos

corte



















e quando alcancei a ira
incendiei, sem pensar bem
no que poderia ser
sem ponderar nada

disse-me de grão em grão
as palavras secas
ainda demoram passar
pela goela
mas o papo não está cheio
e temos fome

sorriu enquanto os carros corriam
seu falo não foi nada sutil
ao pousar em minha boca
e insistia como refrão desenganado
engasgado

foi só uma vez, foram milhares de vezes
e ainda me rasga e ainda me corta

poderia contar das jaquetas vermelhas
das janelas azuis, das bitolas de construção

poderia dizer pudica se nossa relação
não fosse pública, se não derriçássemos a noção

diga que o sonho de água limpa
é cimento e cola sobre essa degradação
não,não,não

é o ódio que lacera as vísceras
e somos apenas vítimas desse maldito
amor, amor , amor

e meu bem, eu já estou cansada
de explicar as velhas caixas de papelão
que guardo no sótão
e quero queimar esses pacotes todos
de escrita aflita
e meus olhos embotados
de amargo e lágrimas.

cancro





















pensei-me sociável
por muito tempo
mas nada me segura
mais por dentro
do que esse desespero
de não pertencer

permaneço sozinho
e quando chamam
meu nome
penso estar
em casa
e não estou.



performer: Fabiano Barros

náufrago

























descartei a velha bússola
e fecho o olho do norte
não há coisa alguma
que eu possa controlar

as realidades pudicas
já não fazem parte desse paladar
esqueci apenas da face sul
do beco da morte

quando erro o caminho
ainda brinco por lá
gosto do som das garrafas
do deboche da boêmia

asfaltei meus dedos de atirador
tentei sepultar a verve assassina
mas não soube trocar de identidade
nem zerar a ampulheta maldita
guardada no bolso de trás

sigo a sintonia das marés
mas elas mal sabem de mim
pago o preço por não ter mapas
viajar sem destino
é assumir-me desconhecido.

o aluir dos ares


























ventos alísios
tomam a capital
e a calmaria se vai
nas areias revoltas
duma praia de Fortaleza

partiram contigo
o sopro de relicários meus
e teu ventre solar
ainda anseia sonhos nossos
em pequenas tatuagens

ecoam abaixo do equador
as canções eólicas
que tentei aluir daqui
desse peito ressentido
e o som Aluisio sorri
manhãs de Iracema!

domingo, 21 de novembro de 2010

doce estação




















campos de papoulas
chuvas de outono
frio ameno
fazem seus olhos

traga-me braços
erga-me além dos ventos
e perderei-me suave
em seus entremeios

insista nesse seu tom
amarelo e solto
que pedirei
mais vezes

leve-me para longe
dessa terra seca
onde nada vinga
e tudo é tão só.




performance: Fabiano Barros

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

voa



















em busca da torre impune
estática e dura
que suporta não ter asas

segue agora
nem céu
nem inferno

o ser alado
sobrevoa as terras
sob fogo ou neve
e não está imune

belo pássaro
selvagem, livre
voa.




performer: Fabiano Barros

Perdi-me ao observar

























O zepelim
Que pairava suave
No céu de cor púrpura,
E nem me dei conta
Que o mar beijava meus pés
E que me apartei de ti
Não olhei para trás
E minha alma voou
Até sumir no horizonte
E naquele breve instante
Tive outras vidas
Esqueci de mim
Das privações,
Da miséria.
Leve voa o zepelim
Leve-me de mim
E não volte.


performer: Fabiano Barros

inópia ciranda


















recordações como meninas cegas
esperanças como velhas surdas, talvez
e o sexo feito prole encharcada de fogo-fátuo
giram

seria esse pobre instante desnudo
cópia imperfeita de antigas ranhuras?

seria o sangue talho e redobrado em calos
ternas asas de desejos cravados de penas?

declino farta sob o silêncio das horas
que teima em ditar compassos e normas
de um vazio de corpo e voz não ouvida
caídos entre o reflexo e a sombra do caos

esses olhos hão de remontar
as dores violentas
e os ecos do campanário

e selados esses lábios hão de conter
o alfarrábio baldado
de um diário secreto.



performer: Fabiano Barros

jura


















vê quanto sou boa
o quanto sou ruim
que diferença faz
se clamo, chamo ou engano?

é uma ofensa essa mão nua
diante de minha extrema paixão
fervo qual febre que mata
doença terminal

essas sobras se condensam
num coração extremado
tremo, rogo, inflamo

é de desespero o querer
da cura
pouco amorosa a quimera
rança e dura

é vício de latejo
nem brandura
nem ternura
que minha tez é ingrata
quero-te na sede

ato, fato, fervura.

calmaria



















estranho o céu que nos protege
esse corpo que trago de matriz
não é o bastante
e se tão perto percebo-o imperfeito
a raiz, o sulco fazem perceber-me una

há uma vírgula, uma sílaba
solta em frase desconecta
que se presta ao papel
assim longe do que possa me atingir
profiro o que a onda não leva

tão pouco vinco
tão dilacerada herança
esse viver solitário
e arremedos de amor
me fazem voltar ao porto

distante dos mapas do mundo
ousa-se um atalho no peito
entre o regalo e o estorvo
o vento não desgoverna a bússola
mas consegue mudar o rumo da nau

e essa rima recolhida e lançada
tão rude e tão falha grava -me o pouco
tempestade e devastação
guardo ainda suas coordenadas
sobre meu leito

ham ã'bae

























agruras não me assustam
sei bem como me adaptar
apetecem-me as pedras
frestas sombrias

ham ã'bae, ham ã'bae

é inútil me chamar
ser introspectivo
volto para meu centro
torço-me em espiral

em silêncio, ouço-me!



performer: Fabiano Barros

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Cabíria

























trago a inocência aqui
e sua mão ainda paira
sob meus olhos
que já não estão
um grande querer jaz

e seriam contratos
quantos seriam anéis
e promessas trocadas
provas de fidelidade?



performer: Fabiano Barros

portas

























quantos espelhos
para atravessar
batentes avulsos
portas repetidas
que levam sempre
ao mesmo lugar
e se elas chamam
quase arrependidas
quase num ressoar
de pequenas despedidas

observo

pois já não
tenho para onde ir.


performer: Fabiano Barros

trópico de câncer


















ao marcar-me uma linha
como quem demarca
território vasto e improdutivo
feriu-me de modo permanente

pereceu-me cálido
ao meiar meu hemisfério
e santo ao devastar crenças
ao deitar-se efêmero
fez-se diáspora setentrional

ameno, quase ingênuo
meu equador
esfriou e saiu

minhas lembranças
viraram meninas cegas
numa gleba inóspita
fria e decadente.



performer: Fabiano Barros